Glossário das Barquinhas
O estado do Acre é berço da cultura ayahuasqueira. Localizado na região Norte do Brasil, em uma região de fronteira, com a Bolívia e o Peru. Situado em uma porção da Floresta Amazônica, caracterizada pelo elevado nível de biodiversidade de espécies, o estado tem sua cultura marcada pela influência dos povos indígenas da região.
Foi o sucessor de Frei Daniel. Conhecido como o Mestre Conselheiro, Antônio Geraldo introduziu vários elementos na Barquinha, como a farda e o bailado e criou o termo “Barquinha” para se referir ao sistema religioso, após ter tido uma miração onde via um barco a navegar nos mares. Ficou mais de 20 anos como dirigente da missão, vindo a se afastar para fundar o Centro Espírita Daniel Pereira de Mattos.
O bailado é uma forma de oração em movimento que une música, corpo e espiritualidade em um ato de devoção. Realizado em círculo e no sentido horário, o bailado acompanha os hinos ou “pontos” que saúdam entidades espirituais como os Erês (crianças encantadas), Pretos-Velhos (espíritos ancestrais africanos) e Caboclos (espíritos indígenas). Cada ponto revela as características dessas entidades e como atuam espiritualmente na Casa. A dança não segue uma coreografia rígida, mas os passos e giros — ora para um lado, ora para o outro — seguem o ritmo dos pontos, que é mais acelerado nessas chamadas. Além de expressar reverência e sintonia com as forças espirituais, o bailado atua como instrumento de cura, limpeza e caridade. Como ensinou Padrinho Chico: “O Bailado também é doutrina, também é caridade exercitada na dança, no movimento do corpo irradiado pela Luz do Daime.”
Religião ayahuasqueira brasileira localizada em Rio Branco (Acre), que realiza, entre outros tipos de rituais, trabalhos de “cura.”
A Barquinha é um sistema religioso sincrético que surgiu no estado do Acre (sul da Amazônia brasileira) em meados da década de 1940, e que incorpora elementos de um cristianismo bastante devocional com outros oriundos das crenças afro-brasileiras e ameríndias (ver Mercante, 2006).
Depois de ter frequentado a igreja do mestre irineu e ter tido novamente a miração do livro azul, mestre Daniel, constrói uma “capelinha” de madeira e telhado de palha, no bairo ivonete, arredores de rio branco, onde passa então a viver como um eremita, sozinho na floresta, recebendo caçadores e outras pessoas que passam pela sua casa, em busca de conforto espiritual. Ali ele distribui Daime para um número cada vez maior de pessoas, enquanto toca seu violão para elas.
São os hinos que abrem o culto e fazem o preparo espiritual chamando as entidades que veem guarnecer o corpo da igreja para que esta possa trabalhar em harmonia
A sessão é iniciada com a execução dos quatro hinos de abertura dos trabalhos de sábado e dos trabalhos oficiais. “Culto Santo”, “Casa de Jesus”, “Soldado de Ordem”, “Forças Armadas” . Entre cada hino é cantado o coro “Salvemos a luz”.
“O Daime é luz que revela, força que cura e caminho que guia.” O santo daime (Ayahuasca) é a nossa bebida consagrada de comunhão. É nossa santa luz!
Também conhecida como ayahuasca, ou “vegetal”, o chá é estudado, porque a substância altera a percepção da realidade, podendo ter efeitos terapêuticos, por exemplo, no tratamento da depressão e para ajudar usuários de drogas a se livrarem do vício. Feito da folha da chacrona e do cipó marriri, ou jagube, o chá é comungado nos centros “ayahuasqueiros” e por diversos povos indígenas no Brasil e em outros países amazônicos. Estima-se que os Incas já tomavam a ayahuasca há mais de 5 mil anos.
As entidades curadoras prestam assistência aos aparelhos da Casa que trabalham no Salão de Obras de Caridade.
Na Doutrina da Barquinha do Acre, a farda representa um compromisso espiritual, moral e disciplinar com os princípios da fé, da caridade e do serviço. Mais do que uma vestimenta, ela simboliza igualdade entre os membros, proteção espiritual durante os trabalhos, e a união do corpo, mente e espírito em sintonia com a missão divina. Vestir a farda é um ato de respeito, identidade e responsabilidade dentro da corrente da Barquinha.
Fundador da doutrina da Barquinha. Daniel Pereira de Matos, maranhense, também chamado de “Mestre Daniel”, foi o fundador da Barquinha. Daniel era músico, tocava oito instrumentos. Teve contato com o daime após ter tido um tratamento na igreja do seu amigo, “Mestre Irineu” (fundador da doutrina do Santo Daime) de onde teve seu aprendizado e incentivo para criar a sua própria doutrina.
O Hinário do Mestre Daniel, chamado é de “Livro Azul”, reúne ensinamentos espirituais voltados à salvação por meio da devoção e da caridade. A habilidade musical de Daniel é lembrada como um dom especial e teve papel central na criação do Hinário e na organização dos rituais de seu grupo. A prática musical, como ação ritual é intrínseca ao culto e está presente em todos os atos rituais considerados “oficiais”, e, portanto, fundamental como forma de doutrinação e manifestação de devoção na Barquinha.
O conjunto inicial de 446 (quatrocentos e quarenta e seis) hinos é atribuído ao Mestre Daniel e ao primeiro presidente que o sucedeu, Mestre Conselheiro Antônio Geraldo. Outra parte, definições por “Hinário Novo”, refere-se a um número 67 de sessenta e sete hinos recebidos por Manuel Araújo (antigo presidente do culto) e mais outros pela irmã Chica Gabriel (ex-integrante da Casa e atual presidente do Centro Espírita Obras de Caridade Príncipe Espadarte)
O aparecimento de um hino é considerado como um “dom”, “trazido” por uma entidade de luz.
O Hinário de Mestre Daniel tem características próprias que o diferenciam de outros contextos religiosos com ayahuasca. Os hinos não são vistos como criações ou inspirações pessoais, mas como revelações espirituais recebidas por alguém. Cada hino é considerado um dom, vindo de um “ser de luz”, e cantar um hino é como chamar essa entidade para o ritual. Por isso, os hinos são entoados de forma organizada e com sentido ritual, seguindo regras específicas, conforme o Livro Azul.
Não são composições pessoais, mas são considerados revelações espirituais. Eles surgem por meio de um processo simbólico em que alguém “recebe” a música como uma instrução divina, e essa experiência é registrada nas páginas do hinário. Assim, os hinos são vistos como frutos de um fluxo sagrado entre revelação e recepção, e não como criações humanas comuns.
O repertório de cantos específicos encontrados, conforme classificação dos gêneros musicais feitos por Daniel, são: “Hino”, “Hino-Salmo”,“Salmo”,“Bendito” e “Bendito”-Oração. Os hinos seguem dois ritmos principais: valsa e marcha. São compostos por estrofes com rimas variadas, geralmente em forma de quadras e sextilhas. Apresentam estrutura de chamada e resposta, com partes repetidas como antecanto, bordão e refrão. Após os cantos, costuma-se entoar uma prece do coro.
Antes de fundar a doutrina, Daniel teve uma visão ou revelação, onde dois anjos desciam do céu trazendo-lhe um livro azul.
Atualmente, a forma concreta atual do Hinário do Mestre Daniel é de um Livro Azul, onde estão as letras dos hinos, dispostas numericamente.
Na sua capa lê-se: “A Bíblia Sagrada da Casa de Jesus”.
O Livro Azul somente é aberto para a entoação de seus hinos conforme o ordenamento oficial dos trabalhos, seguindo programação determinada.
Fundador da doutrina do “Santo Daime”, amigo e conterrêneo do Mestre Daniel.
Raimundo Irineu Serra, ou Mestre Irineu, nasceu em 1892 no Maranhão e migrou para o Acre, onde teve visões com a Virgem Maria ao usar ayahuasca. Fundou, na década de 1930, o Santo Daime, religião que mistura cristianismo, espiritismo e tradições indígenas. A doutrina é baseada em rituais com ayahuasca e cânticos revelados. Faleceu em 1971, deixando um legado espiritual ativo até hoje.
“Na miração, o espírito vê com os olhos da alma o que precisa ser curado e compreendido.” visões obtidas pelo uso ritual da Ayahuasca em processos de conscientização em situações de enfermidades. Tais visões são conhecidas pelos freqüentadores da Barquinha como “mirações.” As mirações tornariam conscientes muitas das dimensões extra-materiais do ritual, além de auxiliarem nos processo de transformação subjetiva e física dos participantes.
“A peia ensina, limpa e corrige; é o remédio amargo que cura a alma.” No Santo Daime e na Barquinha, “peia” é o termo usado para descrever momentos intensos e desafiadores vividos sob o efeito da ayahuasca. Esses momentos podem envolver mal-estar físico, como náuseas e vômitos, ou desconfortos emocionais e mentais, sendo compreendidos como formas de purificação espiritual. A “peia” é vista como uma correção ou lição trazida pela bebida, funcionando como um chamado para reflexão, mudança de atitude e crescimento interior. Apesar de desconfortável, ela é valorizada como parte essencial do processo de aprendizado e cura dentro dessas tradições.
Conhecido no sul como São Francisco de Assiz, é o patrono da Barquinha.“São Francisco das Chagas ensinou, com humildade e amor, que servir aos pobres, cuidar da criação e viver em paz com todos é o verdadeiro caminho para Deus.” O que confere o caráter franciscano à entidade.
“Na força da Santa Cruz me firmo e sigo com fé.”
Na Doutrina da Barquinha, a cruz é chamada de Santa Cruz ou Cruzeiro porque representa algo sagrado e essencial. Ela simboliza fé, proteção, sacrifício e ligação com o mundo espiritual. A Santa Cruz lembra o sofrimento de Jesus, mas também é vista como um portal de luz, por onde passam forças de cura, amor e caridade durante os rituais.
O Cruzeiro é entendido como um ponto de encontro entre os mundos – o material e o espiritual. É nele que se cruzam as energias das entidades, como Pretos-Velhos, Caboclos e Marinheiros, que ajudam nas curas e nos conselhos. Por isso, a cruz não é só um símbolo, ela é um lugar espiritual de força, onde o médium se firma para servir com fé e disciplina.
Assim, a cruz é o centro da doutrina: une céu e terra, orienta os trabalhos e representa a missão de servir à luz e à caridade.
“Na prestação de contas, a alma se encontra com sua verdade e se abre para a luz da transformação.” A prestação de contas acontece uma vez a cada mês, em trabalhos espirituais, com cantos e manifestações das entidades que orientam e corrigem os participantes. Por meio de “peias” (correções) e “miração” (visões internas), as pessoas são levadas a refletir sobre seus atos, reconhecer erros e buscar mudanças. O médium transmite essas mensagens, ajudando cada um a assumir sua responsabilidade espiritual, encerrando o ritual com orações e o compromisso de evolução e caridade.
“Cada gesto de amor é um passo na estrada da luz que a Barquinha nos ensina a navegar.” As obras de caridade são as ações de ajuda e cuidado espiritual feitas com amor e humildade, como curas, passes, orações e orientações dadas pelos médiuns e entidades para aliviar o sofrimento e trazer luz às pessoas, sempre visando o crescimento moral e espiritual de todos.